Robson Santos em apresentação da série Projetos Inspiradores da FAPEMIG. Foto: Júlia Rodrigues
Robson Augusto Souza dos Santos, pesquisador do Departamento de Fisiologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB/UFMG), é categórico quando começa a contar sua trajetória. “Dificilmente você se senta na bancada e fala: eu vou inventar um medicamento! Isso vem como consequência. Vem com o interesse por um processo, peptídeo ou por uma substância qualquer, que, com os estudos e dependendo das parcerias que se tem, traz a possibilidade daquilo virar um produto”, diz.
O pesquisador fala com a propriedade de quem viveu o processo exatamente assim. No final dos anos 1980, ele estava pesquisando questões relacionadas à hipertensão em seu pós-doutoramento em Cleveland, nos Estados Unidos, quando identificou um peptídeo, – que é um pedaço de proteína – era a angiotensina 1-7. Essa descoberta serviu de base para a formulação de um tônico contra a calvície, que teve o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG), e segue disponível no mercado até hoje.
Mas essa história de sucesso não foi simples e nem fácil. Naquela época, quando voltou ao Brasil, Robson seguiu estudando esse peptídeo com seu grupo de pesquisa. A angiotensina 1-7 é responsável por, entre outras funções, controlar a pressão arterial. Quando esse peptídeo fica desregulado no organismo, favorece o desenvolvimento de hipertensão, cardiomiopatia, aterosclerose e doença renal. "Quando nós descobrimos esse peptídeo que antagonizava, ou seja, tinha efeitos opostos – ao invés de contrair os vasos sanguíneos ela relaxa e protege o coração –, tendo um efeito cardioprotetor, reduzindo o desenvolvimento da aterosclerose e favorecendo a função renal, vimos que ele tinha potencial”, explica.
Parcerias
Esses estudos seguiram ao longo dos anos 1990 explorando os efeitos da angiotensina 1-7. Ela libera óxido nítrico – molécula gasosa, incolor e inodora, que desempenha um papel fundamental em diversas funções do organismo, como a regulação da pressão arterial, a resposta imune e a transmissão nervosa.
A partir dessa nova possibilidade, Robson entrou em contato com o pesquisador Frédéric Jean Georges Frézard, do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, e com Rubén Dario Sinisterra, do Departamento de Química da UFMG, que à época, também era o diretor da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT) da UFMG.
Juntos, eles começaram a pensar alguma opção terapêutica para a angiotensina 1-7, com foco na atividade cardiovascular, que é o cerne do grupo até os dias de hoje. “Ela também produz um efeito vasodilatador e bloqueia a produção de radicais livres de oxigênio. Dentre os efeitos tópicos, uma indicação que surgiu muito claramente seria a de provocar a estimulação do folículo capilar para produzir crescimento de cabelo”, explica Robson.
A partir daí, chegou-se a uma formulação baseada em lipossomas e nanotecnologia para o tratamento da calvície, que funciona estimulando o crescimento do cabelo a partir do folículo piloso – onde os fios são realmente produzidos. “Essa foi uma tecnologia realmente fantástica, pois até hoje não temos nenhum produto equivalente no mercado, ou seja, que usa nanotecnologia”, lembra Frezard.
Com a solução em mãos, em 2009, os pesquisadores procuraram a CTIT para mostrar o avanço das pesquisas e para providenciar a proteção adequada. A coordenadora do setor de Regularização de Proteção Intelectual da CTIT, Nathália Reis, se recorda das primeiras conversas com o professor Robson nos idos de 2009. “Eram as primeiras conversas com os pesquisadores, e começaram as discussões sobre eles poderem criar empresas para atuarem como sócios e não como administradores, o que já estava previsto pela Lei de Inovação. Eles fundaram a Alamantec e licenciaram duas tecnologias e uma marca inicialmente, depois licenciaram mais uma tecnologia relativa à angiotensina 1-7”, recorda Nathália.
Como a tramitação de documentos era em papel naquela época, o trâmite jurídico só permitiu que a transferência de tecnologia fosse feita para a Alamantec em 2013. Em 2018, a tecnologia foi sublicenciada da Alamantec para a empresa Laccos / Yeva Cosmétiques, que comercializa o produto em drogarias do Brasil inteiro com o nome de Sanctio. Com o sublicenciamento, os pesquisadores tiveram que adaptar o produto previsto na bancada para as linhas de produção da empresa, que além de produzir também deveria distribuir o produto.
Credencial de qualidade
Em 2020, outra empresa demostrou interesse pela tecnologia. Como o licenciamento para a primeira empresa era sem exclusividade, a UFMG pode fazer novo licenciamento para a UFMG que, por sua vez, fez novo licenciamento para a LOM – Laboratórios Osório de Moraes. Esse segundo produto está sendo comercializado com o nome de Endcalve. “Foi um processo muito exitoso, pois único produto possui licenciamentos e sublicenciamento, e os dois são atualmente comercializados no mercado. O sublicenciamento funciona como uma autorização para que uma empresa produza e distribua o produto”, detalha Nathália.
Os dois tônicos destacam em suas embalagens que a formulação nanotecnológica do produto foi criada por pesquisadores INCT Nanobiofar, da UFMG, após anos de pesquisas científicas. Para Robson, essa credencial é fundamental para fortalecer a pesquisa científica e os produtos oriundos dela. Mesmo com todo o sucesso do produto, o pesquisador segue trabalhando para atingir seu próximo objetivo: conseguir registrar um medicamento para melhorar aspectos do sistema cardiovascular. “Primeiro partimos para a linha cosmética que exige menos etapas regulatórias, mas nosso grande objetivo é licenciar um medicamento, que é bem mais trabalhoso, mas estamos no caminho certo”, finaliza Robson.