C&T para combater desigualdades

Jornal da Ciência - 09-09-2019
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Evaldo Ferreira Vilela, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), falou com o Jornal da Ciência, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Na entrevista, ele fala sobre a importância da C&T para superar crises e a necessidade de diálogo com a sociedade. 

Confira, abaixo, os principais trechos da conversa. 

Jornal da Ciência – Em seis meses de governo Jair Bolsonaro, como o senhor avalia a relação com os ministérios da Educação (MEC) e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Telecomunicações (MCTIC)?

Evaldo Ferreira Vilela – Há uma expectativa de uma atenção maior à educação em todos os níveis e à Ciência e Tecnologia  (C&T), porque a gente sabe, olhando o mundo, que sem educação não se combate a desigualdade social que é o maior problema do País. E que sem C&T não se combate as desigualdades entre as regiões, entre São Paulo e o resto do País e entre o Brasil e o resto do mundo. É claro que ainda estamos no começo de governo, ainda temos esperanças, mas até aqui não há uma sinalização clara de que a C&T vai ter um tratamento adequado nesse governo.

JC – Já houve dois cortes de bolsas de estudos. 

EFV - Quando vemos o que está acontecendo na Capes, ficamos perplexos. Pode haver cortes, é claro, há uma crise muito grande, mas não dessa maneira, comprometendo o futuro da pós-graduação, principalmente aquelas áreas que estão se desenvolvendo nos últimos anos. O Norte e o Nordeste serão muito afetados.

JC – Como os cortes na educação, principalmente na pós-graduação, estão afetando a Ciência e Tecnologia?

EFV - Nós tivemos um crescimento da Ciência e Tecnologia no País. Desenvolvemos muito mais pesquisas de qualidade, temos hoje grupos de pesquisa em nível internacional, nas áreas de saúde, agricultura, física, matemática, etc.. Isso foi uma construção. Entendemos as dificuldades do governo, mas tem que ter prioridades. Essa é a grande dificuldade das gestões públicas no Brasil. CT&I e Educação têm que ser prioridade, porque são elas que movimentam a saúde, a segurança pública, a produção de alimentos. Se falta dinheiro nesse momento - e de fato falta -, vamos ficar sem futuro. Não vai funcionar fazer caixa em cima de terra arrasada.

JC – O que acontece quando se corta a verba para a pesquisa?

EFV - Pesquisa custa dinheiro, não é barato. No mundo inteiro é assim. Se você para, perde, não recupera nunca. Por exemplo, a pesquisa sobre células-tronco, se parar, tem que começar do zero, demanda ainda mais dinheiro. Isso é que o poder público não está entendendo, que não é ‘faltou dinheiro agora, o ano que vem vai ter e recomeça’. O recomeço de pesquisa científica e tecnológica é uma questão muito crucial.

JC – Por que essa falta de entendimento do processo científico?

EFV - Isso acontece porque no Brasil, infelizmente, há um baixo conhecimento das pessoas sobre tecnologia, sobre ciência, e as pessoas viram mandatárias e seguem não vendo o valor.

JC – Nessa fase que o senhor mesmo aponta como a que houve o maior crescimento dos investimentos em Educação e CT&I, por que não houve a preocupação de conscientizar as pessoas da importância desse conhecimento?

EFV - A ciência brasileira tem um dever a cumprir, ela tem que estar mais próxima da sociedade. Temos que fazer teses em temas que interessam o desenvolvimento das regiões e do País. Trabalhamos com dinheiro público e temos que saber explicar para a população. Muitas vezes, um estudante de doutorado até acha graça quando ele explica o que está fazendo e ninguém entende, é uma tendência antiga da ciência mundial que nós não podemos cultivar. Se eu tenho uma bolsa da Fapesp, da Fapemig, eu tenho obrigação de explicar para qualquer um o que eu estou fazendo. Vai dar o resultado que a gente espera? Talvez não, porque se faltar a base da educação, se as pessoas não forem educadas, vão ter muita dificuldade de entender o que você está falando.

JC – Além do desconhecimento, há desinteresse pela ciência? 

EFV - Não. Mesmo com baixo nível de conhecimento científico e tecnológico, as pessoas gostam da ciência, valorizam o cientista, sabem que estão vivendo mais porque teve medicamento, teve alimento que veio da ciência. Talvez não façam essa ligação tão fortemente, mas elas têm a percepção clara de que a ciência é boa para o País. Só que elas acham que os cientistas estão nos Estados Unidos, na Inglaterra, não acham que eles estão aqui, porque nós não divulgamos. Evidente que em um país onde apenas 8% das pessoas entendem o que leem, a tarefa de popularizar a ciência é gigantesca, mas isso não nos desobriga de ter que perseguir esse caminho.

JC – Ainda na questão do financiamento, como as fundações de amparo à pesquisa estão sendo atingidas nesse cenário de restrição orçamentária?

EFV - Os governos estaduais que assumiram este ano ainda estão muito perdidos. Eles entraram com uma proposta de mais transparência, de corte de gastos, de equacionamento da crise, muitos são novos na gestão pública e ainda estão buscando um caminho. Daí entra a questão da priorização: eles ainda não têm definido onde devem investir, eles têm que fazer escolhas e isso ainda não está muito claro. Mas começa a clarear agora.

JC – Onde está clareando? Pode citar exemplos?

EFV - Por exemplo, no Rio Grande do Sul, onde a situação estava muito ruim, entrou esse jovem governador (Eduardo Leite, do PSDB) que acredita ser necessário investir em Ciência e Tecnologia, e já começou a financiar editais de chamadas públicas. No Paraná, houve um salto no orçamento para pesquisa. O Piauí fez uma coisa interessante, com o pouco dinheiro que tem, direcionou a FAP para a ciência no ensino médio, está investindo em tecnologias de conhecimento, de ensino de matemática para jovens.

JC – Onde mais há bons exemplos? 

EFV - Na Bahia também, a FAP esteve parada nos últimos anos, o governador (Rui Costa, do PT) agora nomeou uma pessoa da área, muito boa, já está prometendo editais. E na terceira semana de junho estamos consolidando a FAP de Roraima, a única que faltava. O governador está propenso a investir em C&T. Então as coisas estão acontecendo.

JC – No geral, que avaliação o senhor faz dos governadores que ganharam as eleições e estão hoje comandando os estados?

EFV - De maneira geral, há uma maior percepção da importância da C&T e há uma crise que impede o avanço como gostaríamos. Mas vemos que existe uma preocupação, no Nordeste, no Sul, em São Paulo, de avançar com a implementação do desenvolvimento científico e tecnológico e sua aplicação em benefício da sociedade. Alguns estão mais preocupados hoje que os do passado.

JC – Como o senhor vê os movimentos de aproximação das comunidades acadêmica e científica com os parlamentos estaduais, as assembleias legislativas? Aconteceu no Rio, em Minas, em Santa Catarina. 

EFV - São movimentos importantes, a C&T está sendo lembrada, é um processo. Nós nunca estivemos na rua antes, agora estamos. É o processo de uma democracia que está evoluindo e vai ter influência nas assembleias legislativas. Mas é um processo, não estamos em ditadura, estamos em um regime democrático, então temos que ter a paciência de construir fortalezas a partir da participação popular e da percepção das pessoas. A ciência sempre foi muito fechada e agora está se mostrando, mas não podemos esperar resultados do dia para a noite.

JC – As fundações de amparo à pesquisa em geral dependem de uma parcela da arrecadação tributária estadual, que está em baixa por conta da crise. Como enfrentar esse problema?

EFV - É um problemão porque sem dinheiro não tem como o governador repassar para as FAPs. É preciso a economia melhorar e, na hora que melhorar um pouco, tem que ter prioridade - e isso é o que não temos visto. Faltam planos, falta dar prioridade ao investimento em educação de qualidade para sustentar o desenvolvimento. Isso o Brasil nunca teve.

JC – O que é para o senhor uma educação voltada para o desenvolvimento?

EFV - Não é só fazer conta, tem que ser um aprendizado a favor de ferramentas que podem ser úteis, resolver problemas, trabalhar em cima de soluções. Não podemos apenas criar uma crítica, temos que ser críticos, mas produtivos, associados com o setor empresarial, com a população.

JC – Tendo em vista essa análise, quais seriam os pontos prioritários para uma agenda de CT&I hoje?

EFV - Temos que ter recursos, não precisa ser muito, mas tem que ser constante. Temos que ter fluxo de recursos financeiros para os projetos de alcance para a sociedade, isso não pode parar. O brasileiro é muito talentoso, mas estamos perdendo nossos talentos para o crime, para as drogas, para o exterior. Não temos um programa para cuidar da formação desses talentos.

JC – Como as FAPs estão pensando e agindo nessa direção? 

EFV - Elas estão com dificuldades porque os governos não têm planos. Se perguntar para os governadores quais são as prioridades, eles vão responder “tudo”, ou só a recuperação financeira. As FAPs não têm a prerrogativa de desenvolver o Brasil, quem tem são os governos. Elas contribuem, mas têm que ser orientadas, porque não foram eleitas pelo povo para fazer o que têm que fazer, os governos foram. 

JC – De que maneira estados podem se articular com o MCTIC para atuar de forma mais efetiva junto ao governo e ao Congresso? 

EFV - Através do Confap, com convênios que fazemos com aporte de recursos dos ministérios e das FAPs. A fundação faz um convênio via Confap com o Ministério e pode trazer outros parceiros, dependendo da região em que se encontra. Algumas empresas estão dispostas a ajudar a bancar, são arranjos que podem ser feitos.

JC – Que ações devem ser promovidas para ampliar a atuação junto à sociedade em geral e estimular um maior engajamento e percepção do papel estratégico da ciência para o desenvolvimento do País? 

EFV - Valorização dos nossos talentos, uma atenção muito especial aos pequenos para a formação científica e uma educação que realmente liberte, que dê condições ao cidadão pensar o futuro. Queremos um ensino melhor e um maior comprometimento do poder público com a educação, a ligação da ciência produzida nas universidades com o mercado e a sociedade, precisamos criar mecanismos para que isso aconteça. 

A edição nº 785 do Jornal da Ciência, onde a entrevista foi publicada, pode ser conferida aqui.